Que imagem esperar de 2021

Pistas para entender para onde vamos olhar, o que vamos comprar e como nos representaremos daqui pra frente

cassioprates
Contagious Brasil

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Este texto é assinado por Cassio Prates, pesquisador de tendências, cultura e comportamento, que desenvolve direcionamentos estratégicos, direção criativa de comunicação e produto, e aqui escreve sobre a indústria da moda no contexto contemporâneo e como isto se relaciona com o mercado de comunicação e de marketing.

Uma passagem famosa do Lacan comenta que identificação é a transformação que acontece no sujeito toda vez que ele assume uma imagem. Me desculpem os psicanalistas e os mais entendidos, mas vou usar esta frase como base para o que podemos esperar de 2021, ou melhor: onde vamos nos identificar em 2021.

@the_fab_ric_ant

Identificação pode dar pistas de para onde vamos olhar, o que vamos comprar e como nos representaremos daqui pra frente. Como vamos nos transformar a partir deste novo março que estamos vivendo, onde o mundo começa a ver um pouco mais de esperança e a primavera começa a florescer em outros trópicos, enquanto vivemos um mês retrógrado. Eu sei que este não é um texto com esse tópico, mas é impossível não falar sobre quem ainda se identifica com a barbárie, a mentira e o acúmulo de mortes do sem partido, seus friends and family.

É uma imagem que está parada, sei lá, em 1950 e nem ali era um boa imagem.

Mas vamos pra 2021, que repercute de duas maneiras (na minha opinião): uma delas é a forma mais óbvia e natural que vou chamar aqui de cansaço. Por outro lado e como um antídoto da primeira, é possível ver uma corrida desenfreada para algum lugar diferente, para um cenário mais otimista — que também pode ser visto como negacionista em situações mais íntimas. Estes dois comportamentos afetam diretamente a imagem, o varejo e as relações digitais na moda — e na vida.

@prada

Primeiro, o mais fácil, que é sempre fugir —e digo isto sem nenhum juízo de valor, até porque está meio difícil não querer escapar. Isto aparece no mundinho da moda em um universo mais colorido e em uma nova vontade de sair de casa, mesmo continuando lá. A gente caminha para uma estética mais solar e, ao mesmo tempo, mais montada, fazendo uma grande boate na luz do dia, quando o sol entra pela nossa janela. Podemos ver a luz de marcas como Koché, The Attico, Area e Molly Goddard usando salto, feminilidade, brilho e muitos babados, numas que surge até uma nova patricinha arrependida do tie-dye. Podemos nos identificar também com a Simone Rocha, com suas pérolas, seus jabôs e suas transparências ultra femininas, sendo a gente menina, menino ou menine. A prova disso é sua recém lançada collab com a H&M. Esta estética já é dominante em imagem e roupas, o que comprova que assumimos essa possibilidade: o que antes parecia antygo e de outro mundo, como usar um salto ou um brilho, agora parece um presente contínuo onde é melhor já estar com roupa de ir, mesmo que seja pra ficar.

Simone Rocha X H&M

Em seu “ato” o show foi cancelado, mas JW Anderson trabalha na Loewe com cromoterapia, trazendo cores para melhorar o nosso humor e a nossa disposição. Alexandre Pavão, Eduardo Caires e Calma já traziam também este otimismo para o Brasil, mesmo antes de JW.

Fonte: NYTimes

Podemos ver isso também no varejo. O Business of Fashion publicou uma matéria sobre o que os chineses estão comprando, para a gente ver e tentar entender como isso pode chegar aqui. Cores, roupas de ginástica mais elaboradas, acessórios e novos estilistas são os itens mais procurados e vendidos, o que colabora com a teoria otimista de montação e experimentação, mesmo que sem saber pra onde ir.

E fazendo o gancho com não saber pra onde ir, aqui nos trópicos, já que as compras ainda não estão tão aquecidas, corremos para qualquer coisa que seja inédita e, como uma grande apoteose, não se fala em outra novidade que não seja NTF (Non-Fungible Tokens, ou tokens não-fungíveis). Um pouco na corrida e na “mostração” de já saber sobre o assunto, o token aparece como a nova coqueluche. Todo mundo já tem uma opinião formada, o LinkedIn está cheio de experts e a encomenda por brusinhas digitais não para nas reuniões de briefing, como uma tentativa de aquecer vendas. Efeitinho clubhouse? Talvez, mas vamos com calma. Você comprar uma coisa e ter posse sobre ela virtualmente pode sim ter muitas vantagens e significar uma mudança mais sustentável & mais barata. Mas também podemos dar um tempinho maior para o nosso cérebro e questionar o quanto isso pode contribuir para continuarmos colonizados, para incentivar um consumo absurdo, mais efêmero ainda e, se mal usado, reproduzir a mesma lógica de identificação doentia que já dava muitos sinais de cansaço pré-COVID19. Na rapidez e no otimismo de encontrar alguma saída, talvez seja preciso olhar com mais calma, sem repetir o mesmo padrão.

@bof

Se você quiser saber mais sobre o assunto, aqui tem uma explicação detalhada e nada afetada da Lalai Persson, que manjava do assunto antes do hype, e uma matéria em inglês da The Verge.

Na moda, o que me parece nesse primeiro momento, e, de novo, sem nenhuma conclusão, é que a industria viu aí um jeito de resolver um problema que a própria internet criou e compartilhou: a cópia. Um produto digital, mais barato, em tempos de downgrade pode aquecer o mercado e barrar um pouco as cópias desenfreadas. Já que você nem sai mais tanto, você pode comprar um original digital e arrasar na sua nova imagem mais digital-original do que nunca.

(Este assunto pode render ainda mais: se você quiser saber em profundidade sobre moda virtual, crise de consumo e cases de marcas e varejistas trabalhando esta relação, entre em contato com a Contagious.)

Com ou sem NFT, o o varejo e o e-commerce vão sofrer grandes transformações em 2021. A grande aposta é que os shoppings se transformem em centros de distribuição e serviços, e que diminuam a queda no retorno via aluguel das lojas com iniciativas de marketplaces e curadoria de produtos segmentados e misturados com conveniências e facilidades genéricas. Pequenos comércios locais virtuais, com produtos selecionados e específicos, misturados com itens e modelos de conveniência, hackeiam as facilidades de compra pré-COVID19.

Podemos ver isso com o aumento dos pequenos canais de compra e com os mercados de luxo focando em lojas second hand (que oferecem peças de segunda mão) — como o The Real Real, que acabou de fechar contrato com o grupo LVMH. Este movimento, para além da sustentabilidade, foca também em um nicho que já vinha sendo muito lucrativo em outras práticas e plataformas.

Com isso também, se desloca um pouco a imagem da pessoa que influencia uma compra, da influenciadora em si e do incentivo de compra atrelado à audiência e somente ela. O apreço pela informação e pelo editorial fazem as ofertas de moda caminharem mais para conteúdo editorial e informação de qualidade, fazendo com que influencers se transformem em stakeholders.

(E aqui temos outro tema a ser aprofundado em estudos específicos da Contagious. Escreva para brazil@contagious.com para saber mais.)

Esta lógica vem também como uma resposta ao grande excesso das redes, que ficaram mais tóxicas e menos toleráveis quando só temos a elas como escape. E aí entramos finalmente no cansaço: não somente o tipo que nos abala mental e fisicamente, mas o cansaço do exibicionismo, que anda na linha oposta da corrida por novidades, em outras identificações. O exibicionismo como esta montagem no prazer de ver e ser visto, e na imagem que os outros fazem de nós, se tornou um caminho exaustivo e doloroso para muitos. Às vezes, inatingível e frustrante.

As marcas já sacaram isto e começam a se transformar em outras imagens também. A saída marketeira da Bottega Veneta das redes sociais é uma leitura deste comportamento transferida para uma marca: mesmo que ela não pare de aparecer no feed, não é ela que se expõe gerando cansaço. O mesmo acontece com o break de várias marcas da Kering (dona e Gucci e YSL, por exemplo) nas semanas de moda, com a fuga dos holofotes tradicionais e com as novas disciplinas incorporadas às personas das marcas, que, agora, como forma de luxo, se identificam mais com o “countryside”.

Vemos isto na campanha da Gucci com a North Face, com os pequenos jantares entre amigos, e na apresentação da Marni dividida em café da manhã, almoço e jantar, onde os convidados assistiam o passar das roupas enquanto faziam uma refeição em suas casas, e até mesmo na forma como a Hermès, que, com seu foco em viagens, convida as pessoas para viajarem em casa. No Brasil, a Aluf caminha na mesma direção com a coleção “A beleza do cotidiano”. ❤

Marni
Marni

Estamos todos cansados e nos identificando cada vez menos com esse fácil esquecimento que a moda sempre ensinou, à medida que cada temporada chegava com tudo novo de novo. O que fica desse cansaço, de quem já está menos disposto a criar um novo personagem-informação up-to-date, é que estamos em mais um ano triste, marcado pela ausência de pessoas, lugares, experiências e coisas físicas. O exibicionismo narcísico e digital não vai solucionar isso no médio prazo, e emular esta presença de certa maneira é o que está dando mais resultado de vendas, imagens e identificação.

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