Tiffany e Nike juntam as escovas.

cassioprates
5 min readFeb 2, 2023

Novos modelos para velhas maneiras

Nessa semana caiu no nosso feed a collab entre Tiffany e Nike. A icônica caixa na cor Pantone 1837 C, símbolo maior da marca, guardava um Nike Air Force ao invés de um anel de diamantes. Muitos pensamentos vieram na minha cabeça, o principal, sobre a nova geração de herdeiros e seus códigos sendo postos. Quem pensou nessa collab foi Alexandre Arnault, VP da Tiffany. O filho mais jovem de Bernard Arnault, dono do conglomerado LVMH, que em 2019 comprou a joalheria em uma das negociações mais estratosféricas da história (US$ 15,8 bilhões). Partimos do herdeiro do maior conglomerado de moda, criando para os demais herdeiros, com uma vontade de mudar os códigos e ressignificar o luxo.

Já voltamos nessa questão..Antes vale lembrar que a estratégia de marketing de uma marca de luxo (ou não) se conectar com uma de esporte e ou streetwear já é algo comum, até batido. Todo mundo saberia citar um exemplo (cite o seu nos comentários). Nessa necessidade concomitante de se manter jovem, marcas de luxo colaboram com Nike, Adidas, Puma, Fila e similares para criarem produtos mais baratos que se conectam com o bolso de uma geração, como forma de inserir novos consumidores naquele cosmo. Gerar desejo as they say. Ou, para ditados mais velhos, a droga de entrada do mercado de luxo. Essas collabs vêm funcionando como primeiro contato que novas gerações têm com o produto desse segmento. Importante lembrar também que estamos falando de uma geração que ao que tudo indica é a primeira que vai ser menos próspera que a sua antecessora — ou seja, pra quem não é herdeiro, não tá tão favorável assim.

Dito isso, vamos aos códigos familiares: a grande maioria das marcas de luxo carregam um histórico burguês, que gera herança, deixa seu sucessor e dá continuidade aos seus códigos de luxo. Todas elas precisaram se modernizar, o próprio conglomerado da família Arnault é resultado desse movimento de atualização recente (dos anos 80 para cá) quando a família começou a comprar várias marcas. Mas essa é a questão, os avanços seguem sobre a mesma lógica de sucessão: a modernização vem frequentemente sob uma mesma estrutura de códigos e valores continuados.

No final do dia a Tiffany vende e vai continuar vendendo joias. Os mais vendidos da marca, naturalmente são associados a ritos (que foram legitimados pela burguesia e pela religião) como eternos. O anel de casamento, a jóia de família, o brinco da menina, o relógio, a pulseira de formatura (que infelizmente não é a da Elza Peretti) e etc. Esses códigos foram ficando cada vez mais inacessíveis, não que tange o consumo e é justamente por isso que as marcas criam gatilhos para indiretamente continuar reforçando esses desejos antigos, disfarçados com modas, pessoas e movimentos mais contemporâneos

Isso me fez lembrar uma aula na faculdade, quando um professor contou que uma joalheria brasileira tinha como estratégia de marketing tratar todo mundo que entrasse na loja bem, como uma forma de boa lembrança, para que quem não tvesse dinheiro, voltasse naquela joalheria em que foi tratado com respeito, se um dia viesse a ter condições. Como se tratar bem uma pessoa que não pode comprar uma jóia fosse uma estratégia e não um dever ético. Indiretamente, essa collab envelopa essa situação de maneira atualizada. Você tira o anel da jogada e faz uma escova de dentes (de ouro branco, sei lá) dizendo que casar é juntar as escovas. Mas que só vale se for uma escova que vai durar pra sempre? Parece que esse lance de reforçar velhos códigos mascarados com cara, roupa ou código de outros mundos tá dando certo. A LVMH chamou 2022 de “ano recorde” para a Tiffany em sua recente atualização comercial. E alguns jovens têm mostrado interesse nesses rituais mais antigos, digamos assim.

O Arnault mais jovem, disse em uma entrevista para o Thom Bettridge na 032c, que marcas de luxo não deveriam se levar tão a sério. Ele é, também, um dos investidores do MSCHFT, o coletivo que vem revolucionando a lógica de vendas, cópias e drops de produtos na internet e colaborou para a Tiffany, criando troféus que imitam aqueles de competições de corridas de cavalo. A marca também colaborou com Supreme e colocou a Beyoncé numa campanha com um quadro do Basquiat ao fundo que nunca havia sido visto antes. Como estratégia de mkt disseram que o pintor, um dos maiores artistas do século, que mudou a relação com arte e moda nos anos 80, tinha pintado a tela pensando no azul da marca (aquele icônico que tá na caixa da nike). O assistente e amigo do Basquiat, Stephen Torton, disse que o artista estaria puto com essa história se estivesse vivo. E que a Tiffany sequer deixaria ele entrar no banheiro da loja. Ele, Alexandre, tem a coragem e dinheiro, para se modernizar e não levar a marca tão a sério, mas no final do dia, continua vendendo anéis de casamento com preços de apartamentos. Anéis que herdeiros podem comprar, mas que muitos jovens ainda sonham como uma condição de status. Envelopados em um tênis que reforça modelos antigos

Sei não, mas talvez melhor seria recriar esses sonhos na próxima collab, mas esse sou eu. Em busca de uma herança.

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